top of page

Abayomi e Resistência


RENASCER

Retalhos de tecidos, rendas e fios diversos,

cerca de 30 cm de altura



“Será que já raiou a liberdade

Ou se foi tudo ilusão

Será, oh, será

Que a lei áurea tão sonhada

Há tanto tempo assinada

Não foi o fim da escravidão

Hoje dentro da realidade

Onde está a liberdade

Onde está que ninguém viu

Moço

Não se esqueça que o negro também construiu

As riquezas do nosso Brasil

Pergunte ao criador

Quem pintou esta aquarela

Livre do açoite da senzala

Preso na miséria da favela

Sonhei

Sonhei que zumbi dos palmares voltou, ôôô

A tristeza do negro acabou

Foi uma nova redenção

Senhor, oh, Senhor!

Eis a luta do bem contra o mal (contra o mal)

Que tanto sangue derramou

Contra o preconceito racial

O negro samba

O negro joga a capoeira

Ele é o rei na verde e rosa da Mangueira”


Composição: Alvinho / Hélio Turco / Jurandir.



Este é o samba-enredo da G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira com o título: “100 Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão”


O ano era 1988 e o Brasil caminhava por cem anos após a abolição da escravatura. Muitos movimentos negros se reergueram para reivindicar seus direitos fundamentais e argumentar sobre a realidade dos brasileiros que sofreram com este passado tão próximo que ainda amargurava consequências.



Cartaz da manifestação. Autor: Luiz Carlos Gá. 1988. Acervo: PACC/UFRJ. Pasta Relações Raciais, coleção Centenário da abolição.


O encontro foi na Candelária, no Rio de Janeiro, e reuniu mais de 5 mil pessoas. Este protesto pretendia percorrer a Avenida Presidente Vargas, culminando no monumento do Zumbi dos Palmares, no entanto, por rumores de que os participantes quisessem parar no monumento erguido para o Duque de Caxias, foram impedidos por meio da força policial a não prosseguir.

Em todo este enredo de luta, surge a história que gostaríamos de contar: sobre a boneca Abayomi.

A etimologia da palavra Abayomi é Iorubá, uma etnia africana, que significa aquele que traz felicidade ou paz. A palavra é composta por dois sentidos: primeiro é ‘‘Abay’’ que significa em língua portuguesa encontro; e ‘‘omi’’ cujo significado em português é precioso.

Vale salientar neste momento que o idioma iorubá foi declarado patrimônio imaterial no Rio de Janeiro através do projeto de lei n. 3416/2017 como parte de sua justificativa: “Ocorre que, por conta do preconceito, da ignorância, do sufocamento da educação eurocêntrica e também em razão da intolerância religiosa, a cada dia o idioma iorubá sofre com cerceamentos, banimentos, boicotes e desmerecimentos sociais. Logo, faz-se mister que o Estado do Rio de Janeiro decida pelo tombamento imaterial deste idioma, para que haja o devido reconhecimento, preservação e difusão daquela língua, criando não só um marco, mas um precedente para outros falares e saberes de origem africana.”


MESTRE-SALA E PORTA-BANDEIRA

Retalhos de tecidos, rendas e fios diversos,

cerca de 25 cm de altura



Existem lendas acerca da origem desta boneca com a versão romantizada das mães escravizadas que na viagem forçada para o Brasil, rasgavam suas vestes e criavam esses brinquedos a fim de tornar esta viagem mais leve para as crianças. No entanto, não há registro algum desta história e muitos argumentos inviabilizam esta versão dos fatos. Os povos escravizados viajavam nus e recebiam tratamentos desumanos. As crianças eram separadas dos adultos, assim como muitas delas não eram consideradas rentáveis para o processo escravagista.

Pode parecer uma história bonita que possa confortar os nossos corações de um passado tão trágico. Mas este passado não pode ser apagado. Ele precisa incomodar para que a humanidade não dê passos para trás.

Sigamos em frente.


Lena Martins, em entrevista sobre Abayomi no CULTNE na TV. Imagem: CULTNE na TV

A origem destas bonecas encantadoras vem das mãos da artesã Valdilena Serra Martins, mais conhecida como Lena Martins. Nascida no Maranhão em 1950, aos oito anos, mudou-se para o Rio de Janeiro. Inspirada por sua mãe e sua avó que confeccionavam bonecas para vender, Lena criou ao seu modo uma boneca constituída de retalhos e sem costuras. Este advento compõe uma força de resistência, pois aconteceu na mesma época das movimentações da Marcha em 1988.

E levando-se em consideração todas as discussões sobre o meio ambiente que tematizavam os debates da época, a Abayomi merece o seu lugar de importância.

“Eu estava no Movimento de Mulheres Negras. Foi quando teve o primeiro encontro nacional de mulheres negras . Foi o período também da marcha que discutia os 100 anos de abolição [da escravatura]. Era dentro desse contexto que eu vivia. E a Abayomi tem esse contexto, um contexto criativo, de abertura, em que os movimentos eram mais potentes nas ações e os negros estavam finalmente conquistando espaços”. Lena Martins


Imagem: Social Bauru


O nome veio em homenagem a uma amiga que estava grávida e queria dar este nome ao seu bebê. No entanto, nasceu um menino, logo o nome Abayomi ficou com a boneca.

Lena, uma educadora popular, junto com outras mulheres, fundaram a Cooperativa Abayomi em 1988 que durou 16 anos, promovendo movimentos culturais de caráter popular acerca da temática africana.

“Atualmente estou curtindo muito fazer cenas com bonecas e fotografar. Pode ser uma família sob uma árvore, num piquenique. Tudo que se possa imaginar que acontece nesse mundo eu posso fazer com bonecas, pensando em ocupar os espaços de pertencimento que são negados aos negros e descendentes” Lena

A luta pelo reconhecimento da história do Brasil com abordagens pelos olhares daqueles que foram excluídos, esquecidos ou massacrados é contínua. Vale destacar a Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, onde incluiu no currículo oficial da rede de ensino, a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”

"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

Logo, está sob responsabilidade dos educadores a devida pesquisa e o cumprimento de seus estudos previstos, merecidamente, em lei.


“Minha forma de ser ativista é com meu trabalho, é fazer arte com o que a vida oferece. É de alguma forma estar fortalecendo nossa autoestima de povo negro e descendente”. Lena

Para saber mais:






http://www.cult.ufba.br/enecult2009/19576.pdf


 
 
 

Comments


Post: Blog2_Post

Formulário de Inscrição

Obrigado pelo envio!

©2020 por Cultivando Mundos. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page