Sororidade: Conceição Evaristo
- cultivandomundos
- 22 de mai. de 2021
- 4 min de leitura

De voz doce e suave, a sua luta não é traduzida pela tranquilidade de sua fala.
A nossa homenageada de hoje é a nossa querida Maria da Conceição Evaristo.
Ela nasceu no ano de 1946 em uma comunidade carente de Belo Horizonte. Segunda filha de uma família muito pobre, sofreu a opressão da sociedade que menospreza os direitos fundamentais dissertados na Constituição de 88.
Precisou trabalhar como empregada doméstica desde muito menina, para colaborar com as despesas da casa. Aliás, esta realidade é um triste fato que aparta muitos brasileiros da escolarização formal.
Em 2019, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), que visa acompanhar as flutuações trimestrais e a evolução, no curto, médio e longo prazos, da força de trabalho, e outras informações necessárias para o estudo do desenvolvimento socioeconômico do País, chegou à conclusão que:
“Entre os principais motivos para a evasão escolar, os mais apontados foram a necessidade de trabalhar (39,1%) e a falta de interesse (29,2%). Entre as mulheres, destaca-se ainda gravidez (23,8%) e afazeres domésticos (11,5%).”
Deixamos então aqui, um momento de reflexão sobre as oportunidades reais proporcionadas a esta grande parte da população.
Conceição conseguiu finalmente finalizar o curso normal (formação de professores) no ano de 1971 aos 25 anos. Então, mudou-se para o Rio de Janeiro quando passou em um concurso público para exercer o magistério e começou a estudar letras na UFRJ.
Na década de 80, entrou em contato com o grupo Quilombhoje que tem como proposta incentivar o hábito da leitura e promover a difusão de conhecimentos e informações, bem como desenvolver e incentivar estudos, pesquisas e diagnósticos sobre literatura e cultura negra. Ela estreou na literatura na década de 90, publicando na série Cadernos Negros, uma produção literária afro-brasileira desenvolvida pela organização.

Vejamos então que a Conceição conseguira publicar apenas aos 44 anos.
Terminou o curso normal aos 25, e realizou o seu mestrado em Literatura Brasileira pela PUC - RJ defendendo a dissertação Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade (1996) aos 50 anos. E, aos 65, fez o doutorado em Literatura Comparada pela UFF, tendo defendido a tese Poemas malungos, cânticos irmãos (2011).
Fica bem claro que toda a sua vida foi uma luta árdua e ela deixa bem claro em uma entrevista que:
“Me incomoda muito essa questão de dizer que se você estudar, você consegue. Não é assim para todo mundo. Eu acho que essas histórias de pessoas que vieram de classe subalterna como eu, essas histórias apenas confirmam: são exceção à regra.”
Vale a pena conferir esta entrevista:
Desta reflexão, podemos salientar entre muitos outros pontos, a importância das iniciativas como o Quilombhoje ou mesmo, o Teatro Experimental do Negro da nossa última publicação do nosso blog.
Estas ações reafirmam a identidade afro-brasileira e proporcionam oportunidades para aqueles excluídos do processo comum (ou que pelo menos era para ser comum).
Essa exclusão se trata de um racismo dito estrutural, onde carrega uma história muito recente de exploração e escravidão do povo arrancado da África e trazido à força para outros continentes, usurpando suas vidas cotidianas, suas famílias, seu passado.
Envolta neste contexto, Maria Conceição Evaristo participou do projeto Origens
“A juventude não pode perder essa perspectiva. Assim como as histórias dos mais velhos me alimentaram, essas pesquisas podem recolocar a juventude em outro lugar. Não viemos do nada, temos um passado, sim, só que esse passado foi violentado. E a culpa não é nossa. A história como ciência é um elo muito difícil de comprovar. Mas há um trabalho ficcional que pode te alimentar, tanto quanto uma comprovação histórica.” Conceição
Trata-se de um projeto que a partir de testes de DNA, consegue esmiuçar o passado da pessoa, separando por porcentagem de traços de etnias o seu sangue, ou seja, conseguimos entender de onde vieram os seus antepassados.
Linda iniciativa que você pode conhecer aqui:
https://www.uol.com.br/tilt/reportagens-especiais/ancestralidade-conceicao-evaristo.htm
"Minha família vem de uma nebulosa, um passado que é uma incógnita. É uma árvore genealógica com vários galhos podados. Eu traço com firmeza até as minhas tias, irmãs da minha mãe: tia Maria Filomena, tia Laurinda, tia Lilia, tia Adélia, minha mãe, meu tio Catarino, que foi uma pessoa importantíssima na minha vida, e minha tia Inês, que faleceu recentemente com 93 anos. Até aqui eu traço a árvore, depois disso eu ouvi falar."
Para além desta análise científica deste passado, a nossa doce escritora ficcionaliza a sua história anterior e mescla com suas experiências de vida cunhando o termo ESCREVIVÊNCIA.
Esta palavra vem para quebrar paradigmas de teses distanciadas do eu, proporcionando voz aos calados historicamente. Suas histórias contadas têm sua gênese em sua alma e expande além de onde ela mesma possa imaginar.
Maria com nome tão comum, se destaca como escritora preta, mulher, oriunda de favela e se eterniza com palavras de luta.
Maria, Presente!

"Conceição Evaristo, doutora em Literatura Comparada pela UFF, recebeu a maior honraria da casa legislativa, a Medalha Pedro Ernesto, fruto de requerimento apresentado pela vereadora Marielle Franco (PSOL), aprovado por unanimidade no início de junho de 2017."

Algumas das publicações da escritora:
Olhos D'Água (2014), vencedor do prêmio Jabuti.
Histórias de leves enganos e parecenças (2016)
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